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População do bairro Santa Maria sofre com a falta das quatro dimensões do saneamento básico

Atualizado: 4 de ago.

“Não tem saneamento básico aqui, não temos rede de esgoto, estamos há um mês sem

água, e a coleta de lixo que passava, não passa mais”, disse um morador


Foto: Tatiane Macena



Essencial para determinar o desenvolvimento do país, o saneamento básico é composto por quatro serviços essenciais: o abastecimento de água tratada, o esgotamento sanitário, a limpeza das vias públicas e a coleta de lixo. No Bairro Santa Maria, como em outras periferias de Aracaju e do país, esses serviços são irregulares ou nem mesmo existem, o que impacta não só no bem-estar da população, mas também contribui para a proliferação de doenças


As diretrizes para o saneamento básico em Aracaju foram estabelecidas com base na política nacional para o saneamento básico, definida pela Lei nº11.445/2007. Além de dizer o que é o saneamento básico e apresentar os seus serviços essenciais, a Lei estabelece que o saneamento básico deve ser universalizado, com ações que promovam a melhoria das condições de saúde e qualidade de vida da população.


Em Aracaju, de acordo com o Instituto Água e Saneamento, 98,03% da população total tem acesso aos serviços de abastecimento de água, ao passo que 55,24% tem acesso aos serviços de esgotamento sanitário e 100% da população é atendida pela coleta de Resíduos Domiciliares. O dia a dia da população periférica, entretanto, revela inconsistências que se escondem por trás dos dados.


No bairro Santa Maria, o acesso ao saneamento básico ainda é uma realidade distante. Ainda que a região seja atendida pela distribuição de água, a comunidade sofre com a constante ausência do recurso. No lugar do serviço de esgotamento, a população, inclusive as crianças, convivem com esgotos a céu aberto, além de lidar com a falta de limpeza das vias. Em alguns pontos do bairro, nem a coleta de lixo, que de acordo com os dados atende a 100% da população, chega aos moradores, fazendo com que o bairro se sinta abandonado.


Em dezembro de 2017, o prefeito Edvaldo Nogueira sancionou a Lei 4.973, que regula o Plano Municipal de Saneamento Básico da Capital (PMSB), com o propósito de levar esgotamento sanitário, abastecimento de água, drenagem, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos para toda a cidade.


O Plano visava atender aos princípios estabelecidos nas Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, levando para a capital esgotamento sanitário, abastecimento de água, drenagem, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos para toda a capital. Mas nenhuma mudança significativa foi observada no bairro Santa Maria desde então.


Falta d'Água na comunidade


O acesso à água limpa e segura é considerado um direito humano fundamental pela Organização das Nações Unidas. Em Aracaju, entretanto, 1,97%, ou seja, 13.237 habitantes não têm acesso à água e uma quantidade bem maior sofre com a irregularidade do acesso ao recurso. Moradores de diversas partes do Santa Maria lidam com o problema em questão.


No Paraíso do Sul, conjunto do Santa Maria, a falta de água é recorrente. O estudante de engenharia florestal David Barbosa desabafa que quando tem água, é de péssima qualidade. “A situação aqui está revoltante, porque não chega uma água decente tratada, quando não vem com lama, vem com cloro”, diz. Com afazeres domésticos pendentes, os moradores da região recorrem a ligações irregulares feitas com canos PVC, ainda assim a água não chega na localidade por falta de potência.


“A água sempre falta, porque falta pressão nos canos, e a gente tem que ir pra outra rua para encher um balde. É ridículo demais, mas o problema não é só esse, quando chove tem muita lama. Falta água na torneira, mas o que mais tem é lama, e esgoto exposto, além disso, da rua cinquenta e três lá pra baixo tem muita fossa “, desabafa o rapaz.



A falta de água impacta nos afazeres domésticos da população. (Registro:reprodução)


A mesma situação ocorre com a comunidade do Jardim Recreio. Uma moradora que prefere não se identificar, afirma que já faz um mês que a água não chega em sua residência, mas a conta de água não deixa de ser entregue. Ela ainda afirma que a situação se agrava ainda mais nos períodos mais quentes do ano.


“Quando chega no verão eles começaram a trancar, fechar a água que abastece aqui, o local que abastece o Jardim Recreio. Mas a conta continua chegando. Quando eu faço a denúncia no Ministério Público, já digo a eles, que eu não vou pagar água, enquanto eles não botarem água para mim, porque não é justo eu pagar um talão de água e só ter água uma vez no mês”, relata a moradora


Além dos inconvenientes cotidianos causados pela falta e pela má qualidade da água e da revolta causada pela cobrança de um serviço que não é entregue, a falta de água precisa ser vista como uma questão de saúde. Quando não tem saneamento básico, doenças podem ser transmitidas por insetos, as taxas de mortalidade infantil podem aumentar, e a água não tratada afeta a comunidade de forma direta, uma vez que se não temos água devidamente tratada, sofremos as consequências”, explica a técnica em Enfermagem Maiara de Andrade


A profissional da saúde ainda ressalta que diante da falta de água, a comunidade deve tomar cuidados para não adoecer. “Deve-se manter um ritual de limpeza e higiene dentro dos lares, evitar acumular lixos e água parada dentro de casa. Ao notar, disenteria, dores abdominais, febre alta, procurar imediatamente uma unidade de saúde básica e solicitar acompanhamento médico”, orienta


Chuva é sinônimo de lama


A ausência de um sistema de drenagem favorece a proliferação de doenças e coloca a população em risco(Fotos:Tatiane Macena)


Além da falta d’água, o bairro Santa Maria sofre com constantes alagamentos em períodos de chuva. Na Ponta da Asa, outra extensão do Santa Maria, apenas a avenida principal é asfaltada, por toda a localidade também não há qualquer sistema de drenagem, por isso, quando chove, poças de água se formam frequentemente. 


Durante o período chuvoso até o acesso a escola fica restrito. A Escola Municipal Professor Diomedes, que fica na Avenida Walter Barreto, sofre com alagamentos que dificultam a chegada das crianças. E o problema não acontece somente lá, na avenida Gasoduto, localizada no conjunto Valadares, nem precisa chover para que ocorra alagamentos, ali, os moradores afirmam que a  lama tem um ciclo perene, o que causa  indignação.


Segundo Luciene Conceição, moradora do conjunto Valadares em uma entrevista realizada em março de 2022, o local é esquecido pela gestão municipal. “Se diz que aqui é a Gasoduto, por que não fizeram direitinho? Aqui é tudo paliativo. Aqui eu fico jogada à mercê, uma lameira, quando chove a gente vai e tira o chinelo, coloca a bolsa de plástico no pé e passa. Quando a chuva vier, a água que vem do morro vai arrastar tudo”, diz ela.



A falta de saneamento básico afeta até a brincadeira das crianças (Registro: Tatiane Macena)


Perto dali, na rua B26, quando se aproxima o outono, estação da quadra chuvosa, os moradores se preparam para enfrentar as dificuldades causadas pela chuva, e improvisam barreiras de contenção. Quando há problemas de drenagem, a água da chuva pode se acumular, facilitando a proliferação de mosquitos, como o Aedes aegypti, transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya. 


De acordo com o doutor em  Engenharia Agrícola Gregório Guirado Faccioli, um dos pesquisadores responsáveis por desenvolver o Plano Integrado de Saneamento Básico do município de Aracaju, durante o período chuvoso e de alta de maré, a mobilidade é afetada em toda a cidade, por causa de algumas características geográficas e de infraestrutura da capital sergipana.


“Nosso município tem características singulares, como a proximidade com o litoral, o que torna algumas soluções mais complexas. Mas é possível encontrar soluções práticas e adaptáveis. A maioria das nossas praças são impermeabilizadas. Isso não é legal, a água vai escoar pra rua e vai sobrecarregar o sistema. Então a gente poderia voltar aquele olhar antigo, de uma praça bem vegetada, que permitia a infiltração da água de chuva”, considera Gregório Faccioli.


O pesquisador destacou ainda que o bairro Santa Maria passou por mudanças significativas nos últimos anos, com a chegada de novos empreendimentos e um aumento na densidade populacional. “Isso pode afetar negativamente a qualidade de vida dos moradores durante as chuvas, tornando ainda mais importante a implementação de medidas adequadas de saneamento básico, sem as quais continuarão os problemas de alagamento”, pondera.

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Problemas em diferentes trechos


Outro problema recorrente no Santa Maria é o vazamento de esgoto e outras vezes, a falta de uma rede de qualidade. Em ruas  da ‘Invasão’, mais uma divisão do bairro,  o rompimento de fossas sépticas é comum. Ainda segundo o engenheiro Agrícola Gregório Faccioli, a falta de esgotamento sanitário torna a população vulnerável.


“A falta de esgotamento sanitário afeta diretamente a qualidade de vida, especialmente das crianças, que são mais vulneráveis a doenças. Às vezes, quando as crianças estão brincando na rua, elas podem encostar o pé no esgoto, o que pode desenvolver uma micose. Além disso, há o risco de contrair doenças graves, como cólera e problemas intestinais”, ressalta.


Facciolli destaca também que a priorização dada ao saneamento básico não é igual  em todas as partes da cidade. “Nos últimos três anos, Aracaju teve várias obras de esgotamento sanitário, mas a maioria ocorreu em bairros mais nobres, como o Jardins. Não tenho informações precisas sobre se a prefeitura já estendeu a rede de esgoto até o Santa Maria. A última informação que tenho é que ainda não chegou até lá”, disse.


No bairro Santa Maria, algumas localidades contam com a presença de fossas sépticas, que são ligadas a uma rede coletora, que a Companhia de Saneamento (Deso) é responsável por recolher e levar para o local adequado. No entanto, a comunidade se queixa da falta de coleta regular e da demora para atender chamados quando corre entupimentos ou vazamentos.



Na rua vinte e sete, moradores ficaram expostos ao vazamento por quatro anos (Foto:Tatiane Macena)



Segunda a autônoma Ivanilde Conceição, na última situação de vazamento, apesar de ter sido comunicada, a empresa não resolveu a demanda, que só foi solucionada porque uma morada arcou com o conserto por conta própria. “ A minha rua está boa porque a vizinha pagou para fazer uma nova encarnação e o vazamento parou”. Ivanilde ainda alertou sobre o mesmo problema em diferentes trechos do bairro. “Vi hoje, ali por trás do CRAS, do lado da cooperativa de reciclagem, dois lugares na mesma rua que estão transbordando igual estava aqui”, relata.


Falta coleta de lixo e conscientização da comunidade


O saneamento básico não se limita apenas à infraestrutura física, como redes de esgoto e drenagem pluvial, a limpeza das vias e coleta de lixo também são essenciais para a qualidade de vida. Para tanto, é necessário não só que exista uma coleta de resíduos sólidos, mas também educação ambiental.


Segundo o site da prefeitura Municipal de Aracaju, a coleta de resíduos, passa periodicamente por todos os bairros, inclusive no Santa Maria, bem como serviços como o cata-treco, que objetiva recolher utensílios domésticos sem serventia e outros serviços. No entanto, a prestação não tem chegado em toda a extensão do Santa Maria.


Para quem mora nos pontos mais altos do bairro Santa Maria, é obrigado a lidar com falta de água, falta de coleta de lixo, o asfalto danificado e a não limpeza das vias. O monitor escolar Cleonilson Batista, mora na rua trinta e um, da Invasão, e afirma que a falta de infraestrutura é geral. “Não tem saneamento básico aqui, não temos rede de esgoto, estamos há um mês sem água, e a coleta de lixo que passava, não passa mais. Aqui vivemos assim abandonados, já tem muito tempo que não passa um carro de lixo e ainda tem a falta de segurança”, cobra o rapaz que trabalha como monitor escolar. 


Diante do cenário de esquecimento e de oferta inexistente ou irregular dos serviços de saneamento, a educação ambiental precisa ser transformada em uma ação de autoproteção. Embora a ação individual não possa solucionar os problemas deixados pelo poder público, a conscientização coletiva  pode ajudar a construir uma vida melhor para a comunidade, enquanto ela continua a reivindicar mais atenção das autoridades.


Nesse sentido, a educação ambiental pode desempenhar um papel fundamental e estratégico na conscientização da população sobre a importância da separação correta dos resíduos sólidos, de evitar descartar resíduos nas vias públicas e do cuidado tanto com a água recebida, quanto com o esgoto. Tudo com o intuito de melhorar a vida da população, mesmo diante da ausência do Estado. Entretanto, continua sendo comum a  parte da população descartar resíduos nas vias públicas e contribuir para a precarização do já precário saneamento.


Se falta qualidade no serviço, como a limpeza das vias que acontece apenas  nas avenidas principais do bairro e ainda assim raramente, sobra quem colabora com o problema. Para piorar a situação da falta de limpeza, em alguns pontos do bairro, veículos de empresas jogam lixo de maneira irregular. Situação que a equipe de reportagem chegou a flagrar na avenida principal.



Em pontos do bairro, como na avenida principal, veículos descartam lixo irregularmente. Foto:Tatiane Macena


Para o professor doutor Gregório Faccioli, o  principal problema é que o saneamento básico em Aracaju, não tem sido pensado de forma integrada. Para ele, o saneamento tem chegado apenas em lugares que concentram empreendimentos, quando os gestores deveriam buscar recursos em níveis federativos para viabilizar obras de saneamento em toda cidade. 


“Muitas vezes, os recursos são alocados de forma não integrada, com políticos priorizando regiões onde têm mais votos. Aracaju enfrenta o desafio de não ter uma abordagem unificada para o saneamento. Precisamos resolver os problemas da cidade como um todo, e não apenas atender demandas específicas”, ressalta Facciolli.


O Perifericos procurou a Companhia de Saneamento de Sergipe(Deso) e a Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), mas não obteve respostas. A assessoria de comunicação da Deso informou que por se tratar  de uma estudante de jornalismo só poderia nos responder mediante um ofício assinado pelo professor responsável e uma autorização da secretaria da presidência da companhia. Com o ofício em mãos, ligamos para o telefone encaminhado, mas não fomos atendidos. Quanto à Emsurb, apesar de nos responder, a  assessoria não encaminhou as respostas até a publicação desta reportagem. O espaço continua aberto. 


Por: Tatiane Macena


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