Casos frequentes de violência policial mostram o racismo da polícia brasileira
Arte: januarts
“Esse caso isolado não pode definir a nossa corporação”, é o que eles dizem a cada episódio de violência policial contra corpos negros. É policia agredindo idoso, matando trabalhador por causa de sete reais, jogando homem em córrego, invadindo velório, e por aí vai. A lista de violação de direitos humanos por parte daqueles que deveriam proteger a população é imensa. De acordo com o Observatório da Segurança, somente em 2023, 2.782 pessoas negras foram mortas pelas mãos da polícia.
Mesmo com a população brasileira sendo composta majoritariamente por negros, pessoas com a pele escura não têm paz. Um dado preocupante foi divulgado nesta quinta-feira, dia 5 de dezembro de 2024 pela agência Alma Preta: em 447 cidades brasileiras a policia matou apenas negros. Trago essa informação não para dizer que as pessoas brancas também deveriam morrer pelas mãos da polícia, mas para exemplificar que Emicida estava certo ao afirmar que existe a pele alva e pele alvo.
Aliás, o papel da polícia é preservar a ordem social ou escancarar desigualdades? Diante de tantos acontecimentos injustificáveis, fica nítido as abordagens desiguais em bairros periféricos e aqueles tidos como nobres. Nessas horas dois nomes me vêm à mente: Fernando Sastre e Genivaldo dos Santos. Ambos foram abordados pela polícia diante da infringência de leis de trânsito, no entanto, com tratamentos distintos.
O rico que ao dirigir embriagado, matou um motorista de aplicativo, após a chegada de sua mãe, foi liberado (você não leu errado) pelos policiais que atenderam a ocorrência, sem nem sequer realizar o teste do bafômetro. Já o pobre, que pilotava uma moto sem capacete, foi trancado no porta-malas de uma viatura e torturado com gás lacrimogêneo até a morte, na presença de um familiar que avisou sobre a esquizofrenia da vítima, mas foi ignorado.
Esses casos não são isolados como eles repetem cada vez que uma violação de direito se torna conhecida. Não são casos isolados, como insistem em dizer naquele discurso pronto que a sociedade não mais aceita. Não são casos isolados, são casos filmados. Vai ver é por isso que a maioria é contra a implementação das câmeras corporais. Com as câmeras corporais não vai ser possível dissipar corpos negros e alegar confronto.
Já dizia a grande Elza Soares, "a carne mais barata do mercado é a carne negra". As pessoas pretas são exploradas, negligenciadas, submetidas a condições precárias de trabalho, sofrem racismo e ainda vivem com medo da tal “violência legítima”. Ao tratar corpos negros como se não valessem nada, a polícia ignora a Constituição, ignora os direitos humanos e o papel deles na sociedade. Ainda que a lei seja falha, não cabe a polícia fazer justiça com as próprias mãos, afinal a pena de morte não existe aqui. Aliás, ela existe sim, só que para pretos, pobres e periféricos.
A maioria da população brasileira é negra, ainda assim, as pessoas negras não ocupam lugares de privilégio, e quando conseguem chegar lá (com o pé na porta), são questionadas, ignoradas e até desacreditadas. Se erram, vixe, são julgadas duas ou mais vezes. Como a poeta contemporânea Sabá recitou, "eles esperam da gente apenas um erro”. Às vezes nem isso. Nos tiraram a fé, invadiram nosso território, e nos roubaram o direito de errar e até de acertar. Agora, querem nos negar até a vida.
Eles nos roubaram tantas coisas, e ainda acham pouco, querem nos tirar o direito de existir quando só estamos tentando sobreviver. Além de lidar com o racismo e os desafios do dia a dia, as pessoas negras temem a humilhação física e psicológica por parte da polícia. O que aconteceu em São Paulo, com aquele corpo jogado de uma ponte, é inadmissível. E os colegas de farda, ao não darem voz de prisão, demonstram o que já está nítido: a desmilitarização das forças de polícia é urgente!
A polícia deveria estar a serviço da população, mas não é isso que acontece. Não é à toa que, muitas vezes, quando passa uma viatura pela favela, as pessoas ao invés de se sentirem protegidas, sentem medo. Quantas casas já foram invadidas durante a madrugada? Quantas vidas foram tiradas pela polícia? A abordagem da polícia no bairro periférico não deveria ser diferente do Jardins. Muito menos a cor de pele ser critério para definir se alguém é suspeito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo sétimo determina que “ Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei”. Mas nós sabemos que as balas perdidas têm endereço e esse endereço quase sempre é um corpo de uma pessoa preta, pobre e periférica. A violência legítima, como chamam, não deveria existir. Ser policial não deve ser uma licença para matar.
Quantas mulheres foram mortas pelos ex-maridos policiais porque não aceitavam o fim do relacionamento? Quantos jovens foram mortos em alegados confrontos, sendo que, na maioria dos casos, não houve confronto? Não é preciso ir tão longe. Aqui, no interior de Sergipe, em Umbaúba, testemunhamos a morte cruel de Genivaldo dos Santos. Quantos casos ainda são desconhecidos?
Ainda tem quem diga que é melhor um " bandido morto" do que um policial morto, mas na verdade, o melhor é que não morra ninguém. Gostaria de finalizar esse texto com uma frase reflexiva, mas só consigo pensar em fechar com: Parem de nos matar!!
Por Tatiane Macena
Jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Tati se interessa por pautas ignoradas pela imprensa tradicional. Mulher preta, periférica e fruto de escola pública, na reta final da graduação, sentiu a necessidade de desenvolver como trabalho de conclusão de curso uma "Cobertura alternativa para as periferias de Aracaju", com foco no bairro Santa Maria, seu lugar de pertencimento. Assim, fundou o Periféricos.
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