top of page
Buscar

Lapidado com gotas de sangue

O rapper MC Ernandes fala sobre sua trajetória e o seu novo álbum, “Vencedor”


O álbum, segundo o rapper, não é o fim de uma jornada, mas sim uma porta aberta para novas possibilidades, servindo como prova de que, com esforço e determinação, sempre há uma chance de conquistar o que se deseja. (Foto:Tocha)
O álbum, segundo o rapper, não é o fim de uma jornada, mas sim uma porta aberta para novas possibilidades, servindo como prova de que, com esforço e determinação, sempre há uma chance de conquistar o que se deseja. (Foto:Tocha)

José Ernandes Nascimento Santos é um rapper sergipano que tem como característica uma visão crítica sobre as estruturas que limitam o crescimento e a liberdade de muitos jovens da periferia. Sua música, repleta de crítica e consciência social, é a resposta que ele encontrou para amplificar a voz dos que, apesar de estarem no corre há muito tempo, muitas vezes, não são ouvidos.


Foi em 2006 que Ernandes teve o primeiro contato com o rap, ao ouvir a música "O Resgate” do grupo Realidade Cruel, e em 2013, gravou suas primeiras faixas. Mas, foi quando estava em privação de liberdade que ele encontrou a chave para sua expressão musical. "O rap foi a principal forma de amenizar o sofrimento e de me motivar a não querer mais essa vida. Através das letras, encontrei forças para mudar, para pensar de forma diferente", revela Ernandes. 


Ao sair do sistema, onde refletiu bastante, o rapper tinha cerca de 27 composições. Quando conheceu o BocasSecas Stúdio, Ernandes retomou o que havia sido interrompido em 2013. Ernandes conta que o estúdio representa não apenas um espaço de trabalho, mas também uma família que o acolheu, possibilitando o desenvolvimento de novos projetos e oportunidades. 


Para ele, quando olhar para o futuro for um processo doloroso, é preciso focar na chegada. “Haverá perdas, vitórias, desafios e conquistas. Essa é minha inspiração. Somos valiosos, como diamantes. O importante é reconhecer o nosso próprio valor. Uma empresa não é maior que você. Foi uma pessoa como você que construiu tudo o que existe. Ninguém é superior a ninguém. Todos têm um grande potencial. Basta persistir e manter o foco. Nada será fácil, mas você sabe o que já enfrentou e o que sua família passou. Você é valioso, mais do que um diamante, e foi lapidado com muitas gotas de sangue. Você sabe disso", ressalta.


Além de provocar reflexões acerca de temas ligados à periferia, Ernandes busca inspirar as futuras gerações através do rap. (Foto: Tocha)
Além de provocar reflexões acerca de temas ligados à periferia, Ernandes busca inspirar as futuras gerações através do rap. (Foto: Tocha)

Questionado sobre a profundidade da  canção "50% ódio, 50% amor" ele revelou que "Lapidado com gotas de sangue" significa que o sofrimento te fortalece. “Somos moldados assim. Quando digo que somos valiosos, é porque tudo o que passamos tem um grande significado. Para alcançar o que queremos, precisamos passar por um processo, que muitas vezes é doloroso, mas necessário para o crescimento”, explica.


Ernandes acredita que todos são valiosos, como diamantes, e que cada experiência, seja boa ou ruim, vem para fortalecer.


Todo o trabalho de Ernandes está disponível nas plataformas digitais, incluindo seu novo álbum. Em parceria com a produtora musical BocaSecas, o rapper lançou , em março de 2025, o “Vencedor”, composto por 10 músicas autorais. O Periféricos conversou com o rapper sobre o lançamento e sobre a relação com sua carreira e referências.


Periféricos: Vamos iniciar pelo nome do álbum. Porque vencedor?


MC Ernandes: Vencedor é uma história de superação, com muitas coisas boas que aconteceram dentro deste álbum. Foi um processo de aprendizado muito prazeroso. Estar ali, fazendo parte de algo tão grande, sabendo que muitas pessoas irão ouvir e que minha música pode tocar alguém, é uma sensação única. Não há palavras para descrever, assim como eu fui tocado por outros. Isso é algo muito valioso e importante. Além disso, tem uma faixa com meu irmão Diogo “Nós é vencedor", a música  está bem elaborada, cheia de emoção e com uma ideia inovadora. É como uma criança de 8 anos com uma visão de futuro, cheia de vontade de vencer. 


Periféricos: Então essa música fala da sua trajetória e da sua família? 


MC Ernandes: Sim, fala um pouco sobre tudo o que somos. “Nós é vencedor”, é o título da faixa.Tudo o que vivemos, poucas pessoas conhecem profundamente. Outras pessoas que têm conhecimento do que passamos também irão sentir isso. Mesmo aqueles que não sabem o que vivemos, também irão sentir, pois a mensagem é muito mental, com ideias positivas, ideias que dependem exclusivamente de nós. Existem diferentes tipos de pessoas. Algumas nos apoiarão, outras tentarão nos derrubar. 


Em parceria com seu irmão mais novo Diogo, Ernandes canta sobre persistência e vitória


Periféricos: Pelo título das faixas, parece que não só a faixa “Nós é vencedor”, mas as outras também falam sobre vivência, paz e um processo de escalada. Isso reflete o conceito do álbum?


MC Ernandes: Esse trabalho é algo muito pessoal, um processo de aprendizado feito com meu mano Saulo Beatmaker. Como o produtor capta a voz, faz os beat. Ele falou para mim: “Vamos gravar paz” e eu respondi: “vamos meter marcha”, e aí começamos a criar e não era exatamente um álbum, era um EP. Mas, com o tempo, o projeto foi se desenvolvendo e ganhou uma forma própria. O mais importante, para mim, não era o formato, mas a mensagem que queríamos passar. A primeira música que gravamos foi muito forte, com uma mensagem de superação. Era sobre dar voz ao que realmente importa, mostrando que as pessoas precisam entender que elas são responsáveis por resolver seus próprios problemas. O valor delas não pode ser tirado por ninguém. Tudo é uma questão de acreditar em si mesmo e seguir em frente. Muitas pessoas, ao verem o que passei, achavam que eu seria mais uma estatística da violência, mais um caso perdido. No entanto, eu entendi que sou um vencedor. Hoje, vejo o futuro de forma diferente, com mais maturidade e perspectiva. O objetivo é emocionar e passar uma mensagem de que, mesmo saindo de situações difíceis, sempre há uma chance de mudança. Eu passei por momentos muito difíceis e, por vezes, pensei em voltar aos velhos erros. Porém, as coisas aconteceram no momento certo, com um direcionamento divino.


Periféricos: Quanto às composições, as faixas são todas escritas por você ou tem a colaboração de outros autores? 


MC Ernandes: Todas foram escritas por mim, baseadas no que eu realmente sinto. Cada batida e cada pensamento refletem uma ideia minha, uma visão do mundo. É muita realidade, porque a sinceridade é algo que sempre busquei expressar. Sempre foi uma prioridade na minha mente. Falar a verdade pode não ser fácil para todos entenderem, mas muitas pessoas vão se identificar. Isso é feito com amor, é assim que seguimos. Mas quem quiser fazer algo radical, precisa estar ciente de que nem todos vão apoiar. As portas nem sempre vão se abrir, mas quando a música foi ouvida, ela vai impactar. A sonoridade vai se conectar com o pensamento da comunidade. 


Periféricos: Você falou de algumas faixas, e nós gostaríamos de saber, dentre as faixas desse álbum, há alguma favorita? 


MC Ernandes: Todas são favoritas, porque até eu mesmo, cara, já perdi a conta. Tentei ouvir minhas faixas e colocá-las todas ao mesmo tempo, porque está tudo muito sensacional, é algo que eu não sei nem explicar. Eu sinto que vai chamar muita atenção. Tenho essa percepção de que vai atrair o público, sabe? Não consigo nem explicar direito, é algo muito real, algo tão foda que, nem eu mesmo consigo escolher uma faixa favorita. Todas são boas, cada uma tem seu valor, então deixo todas tocarem.


Periféricos: Não teria uma que mais mexe com você? 


MC Ernandes: "Se eu Canto a Vida Louca" é uma faixa que me tocou profundamente, especialmente pela perda da minha mãe. Vivemos em um ambiente difícil, cheio de desafios. Para alcançar nossos objetivos, sempre haverão obstáculos tentando nos derrubar, muitas vezes alimentados pelo ego. Em vez de apoiar, algumas pessoas preferem dividir, mas o que precisamos é de união. Devemos nos apoiar mutuamente para alcançar o sucesso e colocar Sergipe no topo. Esse movimento não é  por acaso, o rap é compromisso. Ele tem um significado real e exige dedicação. Não é por acaso que vemos pessoas em destaque, como o Mano Arthur, o Diogo, e tantos outros que, infelizmente, já não estão mais aqui, mas deixaram um legado. É feito por amor, por querer ver a cena crescer e acontecer, mas sabendo que dificuldades virão. E mesmo assim, seguimos com o coração aberto. 


Ernandes revela ter muitos sentimentos em relação a faixa “Se eu Canto a Vida Louca” devido à perda recente da mãe.


Por: Tatiane Macena


Importante:

Nós não recebemos verbas de governos. A nossa sobrevivência depende exclusivamente do apoio daqueles que acreditam no jornalismo independente e hiperlocal. Se você tem condições e gosta do nosso conteúdo, contribua com o valor que puder.



Comments


PERI_FÉRICOS__8_-removebg-preview.png

Nosso jornalismo é feito de dentro para dentro e dentro para fora. Aqui, as pessoas têm não somente nomes e funções, mas também características e sentimentos, individuais e coletivos. Mande a sua sugestão de pauta para perifericosjornalismo@gmail.com

Design_sem_nome__4_-removebg-preview.png

Projeto desenvolvido pela aluna Tatiane Macena como trabalho de conclusão do curso de jornalismo da Universidade Federal de Sergipe, sob orientação da professora Dra. Liliane Nascimento Feitoza.

bottom of page